terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pequena História dos Flagelados

E vão caindo as gotas do suor desgraçado
-Eta inferno, que o diabo logo me carrega.
As crianças choram, resmungam.
Logo tudo é murmúrio.
E o silêncio, o ar nauseabundo. E as barrigas roncam.
- Cadê a cidade João?
- Tamo chegano Maria. Arre!
O sol queima, escandaliza, marca.
Em algum lugar as pessoas almoçam, regalam-se.
Por aqui, só a morte desfruta.
Um pequeno cai. Então se vê, irá arredar.
A mãe, coitada! Soluça, entontece.
Assim vão-se indo. Aos poucos, derreando.
Saciando por fim a fome das aves negras,
do deserto maldito,
de sua própria sorte.

A Família Rural e sua Agricultura

Qual o futuro da propriedade familiar brasileira e sua pequena produção agrícola? Um dos maiores conhecedores das condições sociais e econômicas das muitas regiões do Brasil, Ignacy Sachs (consultor das Nações Unidas e diretor do Centro de Estudos Hautes Etudes de Paris) insiste que a resposta não está em comparar e copiar os modelos dos países subdesenvolvidos. Ele ressalta que temos que encontrar uma saída dentro do nosso contexto, dentro dos parâmetros da agricultura tropical. “O sol será dos brasileiros independente de qualquer política de globalização”, diz o economista.
Ele quer chamar a atenção para a grande disponiliblidade de fontes renováveis que há no Brasil, incluindo as biomassas. Propõe então uma política, específica para as famílias, com o objetivo de conhecer quais estruturas sociais estão por trás da pequena propriedade e que políticas públicas devem ser adotadas para que o potencial da agricultura familiar não seja engolido pela grade produção agrícola.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Formas de povoamento disperso, a partir do século XVI, na Província de São Paulo

I- Morador Transitório
1- Cultivador Nômade – natureza da ocupação: precária; moradia capuava; unidade de agrupamento: bairro.
2- Agregado – natureza da ocupação: concedida; moradia capuava; unidade de agrupamento: bairro.
3- Posseiro – natureza da ocupação: de fato; moradia capuava; unidade de agrupamento: bairro.
II- Morador Permanente
1-Sitiante – natureza da ocupação: propriedade ou arrendamento; a moradia é chamada de sítio; unidade de agrupamento: bairro.
2- Fazendeiro – natureza da ocupação: propriedade; a moradia é uma fazenda ou sítio (designação comum na Província de São Paulo até os dias atuais); unidade de agrupamento: bairro.
O morador transitório é aquele que, não possuindo títulos legais, pode perder a terra onde mora a qualquer momento. Quanto a origem de sua fixação, no caso de São Paulo, deve-se destacar o foragido das autoridades, que desejava se isolar.
O agregado distingue-se do posseiro porque possui permissão do proprietário para morar e lavrar a terra, sem qualquer paga, salvo alguma prestação eventual de serviço. Já o posseiro é o que toma posse da terra sem permissão. Freqüentemente ignora a situação legal da terra que ocupa.
Quanto aos donos da terra temos o sitiante ou fazendeiro, e isso se dá conforme empregue ou não mão-de-obra estranha a família. Muitos dos que eram chamados fazendeiros eram possuidores de sesmarias. Estas foram a maior fonte de propriedade no regime colonial. Consistiam nas propriedades concedidas a quem as requeresse legalmente, com a condição de lavrá-las dentro de seis meses.
A importância da vida e trabalho familiares variava segundo cada um dos tipos de ocupação do solo, sendo máxima entre os moradores transitórios e mínima entre residentes das fazendas, que empregavam mão-de-obra externa e tinham, portanto, mais contato com os núcleos condensados de população.

Folk Culture e Evolução das Cidades Paulistas

Folk Culture

O termo em inglês para “cultura folclórica” se refere a todas as culturas que possuem elementos espontâneos, que remetem a tradições passadas de geração em geração e que ainda não foram corrompidas pelo meio externo.
Quando estudamos os caipiras de São Paulo não podemos cair nas falácias do conceito atual de Folk Culture. A sociabilidade que ocorreu nos agrupamentos rurais paulistas, devido às relações de trabalho (os mutirões) e as lúdico-religiosas, fez com que o isolamento não fosse total, salvo em raras ocasiões, nos casos de fugitivos da justiça.

Evolução das Cidades Paulistas

1º- Moradores Segregados
2º- Ereção de capelas, em patrimônios doados, que atraíram lojas e depois algumas casas.
3º- Elevação à categoria de Freguesias, já com núcleos de povoação esboçados.
4º- Elevação à categoria de Vilas, e depois a Cidades.
Nestes casos, a população rural foi se ampliando na periferia, onde apareceram novos bairros, que passaram a vila, e assim, sucessivamente, sertão adentro. O povoamento foi motivando a organização do território, segundo as necessidades da vida grupal.

Porque a família real veio parar no Brasil?

A Europa era palco da disputa entre Inglaterra e França pela hegemonia do continente. Napoleão, então, ordenou que Portugal participasse do boicote aos ingleses. Porém, Dom João, o príncipe regente, tinha, dívidas com a Inglaterra, que o impossibilitavam de romper suas ligações econômicas.
Dom João VI e sua corte fugiram o mais rápido que puderam para sua colônia mais próspera, o Brasil. Não houve recepção no Rio de Janeiro e a corte, após aportar, teve que dormir mais uma noite no navio.
Portugal rompeu então com o Bloqueio Continental de Napoleão, com a atitude tomada por Dom João. Algo semelhante aconteceu também na Rússia, quando o Czar Alexandre I abriu seus portos para os ingleses, que comprava a sua produção de trigo.
A França, por sua vez, teve seu exército enfraquecido e também possuía uma economia sem estrutura, sem potencial para substituir a Inglaterra nas suas relações com os outros países.
Depois que a corte portuguesa fixou-se no Brasil, a esquadra inglesa se instalou em suas águas. Concomitantemente, Dom João VI assumiu uma política interna em que: deu liberdade de comércio e de produção, oscilou entre o liberalismo e o mercantilismo (havia o liberalismo imposto pela Inglaterra e ao mesmo tempo Portugal acreditava que manteria o sistema mercantilista), fez uma reorganização administrativa na colônia e elevou o Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves (1815). O príncipe também invadiu a Guiana Francesa e realizou intervenções na região do Prata, anexando o Uruguai ao Brasil, o que seria então a Província Cisplatina.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O Camponês Caipira


Com que nomes e símbolos reais ou ilusórios essa gente rural dos sertões de ontem e de agora habita o nosso imaginário? O camponês, o caboclo, o caipira, o roceiro, o capiau, o sertanejo, o caapora, o caipora?
Que personagem do homem rural há dentro de cada um de nós? O lavrador rústico cuja lavoura substituiu a dos índios? O Jeca Tatu? O povoador de sucessivas áreas de fronteiras? Lembro –me aqui dos colonos do sul. Mazzaropi e Alvarenga e Ranchinho?

A mídia de tempos para cá criou um tipo de sertanejo moderno e acostumado com a cidade (tipo esse que Mazzaropi criticou em seus filmes). Entre Sérgio Reis e Milionário e José Rico e os velhos violeiros de “moda” e “cururu” há uma distância grande.

E grande também é a distância entre o relato apressado entre os viajantes e cronistas a respeito dos habitantes rurais da Província de São Paulo e os estudos recentes que procuram compreender não só os trabalhadores caipiras, como também s sitiantes, os camaradas, os colonos e os bóias-frias.

Antes de serem produzidos os primeiros escritos sobre o caipira de São Paulo, ele era como uma figura de sombra à beira do caminho, entre índios e senhores. Era um ator subalterno em sua própria história.
Isso me faz pensar que a condição, a identidade e o modo de vida (que Cândido tanto ressaltou em sua obra sobre Bofete) do caipira precisam ser desvendados pelos estudiosos. As leituras sugeridas vão de Monteiro Lobato a Cornélio Pires.* Dois pontos precisam ser pensados: é preciso corrigir a imagem do caipira e entender quais condições geraram essa gente. Uma forma de compreendermos isso é voltar os olhos para o sertão e rever o caipira. Observa-lo através de sua vida, no lugar onde ela existe em seu cotidiano.

Dizem que o nome é a janela da identidade. No dicionário, temos o caipira como “roceiro, matuto, acanhado, sem trato na cidade, camponês, aquele que habita ou trabalha no campo; rústico. Habitante do campo ou da roça, particularmente os de pouca instrução e de convívio; de modos rústicos e simples”. Dos dicionários gerais para os especializados a mudança é pequena.

Luis da Câmara Cascudo sugere que o caipira, além de tímido e de despreparado, é um sujeito que pode ser pouco confiável. Essa sugestão vem dos mitos populares. Da forma como quem está de fora enxerga o caipira. Cascudo designa-o assim: “Homem ou mulher que não mora em povoação, que não tem instrução ou trato social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público (...)”. Habitante do interior, canhestro e tímido, desajeitado, mas sonso”.

Duas importantes referências para se compreender a essência do caipira de São Paulo: Cornélio Pires e suas “Conversas ao Pé do Fogo” (eu sugeriria também uma análise das modas de viola e os contos escritos por ele) e Antônio Cândido e suas pesquisas em Bofete, em “Os Parceiros do Rio Bonito”.

Gostaria de ressaltar alguns termos interessantes do livro de Brandão. Eis que os redijo aqui:
- Caipirismo: Acanhamento, gesto de ocultar o rosto.
- Capipiara: Que é do mato.
- Caapi (“carpir”): Trabalhar na terra, lavrar a terra; caapiara: lavrador (o caipira é sempre lavrador).
- O caipira é então roceiro e o lavrador.
- Diz-se do caipira “injurioso” ou “demônios malfazejos”.
* Ver: “Viagem a Província de São Paulo” - Auguste de Saint Hilare; “Conversas ao Pé do Fogo” - Cornélio Pires e artigos “Velha Praga” e “Urupês” - Monteiro Lobato.

Nosso país e o "boi tropical"


A raça Angus de gado é uma raça britânica de corte que se adaptou bem aos campos do sul e do sudeste do Brasil e firmou um novo padrão, o “angus tropical”. Sabe-se que todo o animal remete à carne: a grande parte traseira, a farta cobertura muscular de costela, a capacidade de ganhar peso em pouco tempo e a excelente distribuição de gordura. O animal tropical é resultado e seleção genética e observações a campo, que fixaram esse biótipo (mediano, carniceiro, precoce e de pelagem curta) que vem conquistando o mercado externo e visa também o brasileiro.

Constatou-se que o Red Angus (animal vermelho), ao contrário do Aberdeen Angus (animal negro), contrai menos parasitas e se adapta melhor ao clima dos trópicos. Os animais produzidos hoje no Brasil (principalmente nas cabanhas do sul) são P.O . (puro de origem), tem seu manejo reprodutivo realizado a partir de monta natural, inseminação artificial e transplante de embriões e o que é mais interessante, não ficam em regime de confinamento, são criados a pasto. È o que chamam de “boi natural”.

A base genética dos criatórios brasileiros foi feita através de importações, principalmente dos Estados Unidos e da Argentina. Atualmente não há mais necessidade de que se realizem importações maciças, pois o Brasil já possui animais adaptados ao nosso meio e de qualidade suficiente para dar suporte aos nossos criadores.

A conformação do Angus, como já vimos, é carne, e o desafio dos criadores brasileiros é manter as qualidades que ditam os padrões de excelência da raça. A carne deve ter um bom marmoreio (distribuição de gordura pela carne, o que lembra o mármore), que é o que garante sabor e maciez e também é um sinalizador de preço.

A questão é a seguinte: se o Brasil é o maior produtor de carne do mundo e possui, sim, como vimos, carne de qualidade para atender aos padrões internacionais, porque na prática, isso não acontece? A resposta é um pouco mais complexa do que parece. Poderíamos responder simplesmente que os nossos padrões ainda não alcançaram os de fora, mas, se pensarmos mais profundamente, o Brasil é, na sua essência, um país agropecuário (se estudarmos o período colonial, fica fácil de entender), mas o brasileiro não quer ter essa essência, ele não assume esse caráter. O brasileiro quer o produto que vem de fora da América Latina, porque há um inconsciente coletivo que diz que esse produto é melhor. E será que esse produto é realmente melhor? Porque o brasileiro não consome o boi natural? Porque está fora do seu orçamento? Também. Mas há mais por trás disso. Porque o Brasil não pode então ser um país como a China, que produz exclusivamente para a exportação? Essa pergunta considero mais fácil. Nosso país vive outro contexto, respira outros ares, vive outro clima, possui características claras de uma ex (?) colônia... e, convenhamos, jamais será socialista.